Embora não possamos adivinhar o tempo que será, temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Sendo assim, adeus 2021! Feliz 2022!.
Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível.
O ar estará livre de todo veneno que não vier dos medos humanos e das humanas paixões.
Nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães.
As pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador, nem compradas pelos supermercados e nem olhadas pelo televisor.
O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupa.
As pessoas trabalharão para viver, ao invés de viver para trabalhar.
Será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, ao invés de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.
Os economistas não chamarão “nível de vida” ao nível de consumo, nem chamarão “qualidade de vida” à quantidade de coisas.
Os historiadores não acreditarão que os países gostam de ser invadidos.
Os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas.
A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes e nem por falecimento nem por fortuna o canalha será transformado em virtuoso cavalheiro.
Ninguém será considerado herói ou pascácio por fazer o que acha justo em lugar de fazer o que mais lhe convém.
O mundo já não estará em guerra contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se em falência.
A comida não será uma mercadoria e nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.
Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.
A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la.
A polícia não será o terror de quem não possa comprá-la.
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas pelas costas.
A Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo.
A Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: “Amarás a natureza, da qual fazes parte”;
serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.
Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperam de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar.
Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de justiça e vontade de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem nem um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo.
A perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas neste mundo trapalhão, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.
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